Por Conceição Oliveira do Blog Maria Frô.
Quando li a entrevista de Lamas no blog do Pedro Ayres, achei desafiador, provocativo e muito interessante para dialogarmos com o episódio 'feminazi'. Pedi ao Victor pra traduzi-la, pois com a entrevista é longa o texto em espanhol desestimularia alguns. O exercício de tradução também provocou o Victor que fez um comentário no post e me informou que não conseguiu expressar todas as reflexões que o texto tinha suscitado. Na véspera do Natal ele me encaminha seu texto. Tenho a impressão de que as novas estratégias propostas por Lamas já apresentam seus primeiros efeitos.
Homens, por que não queremos ser feministas?
por Victor Farinelli, enviado por mail
Traduzi a mui interessante entrevista da professora e feminista mexicana Marta Lamas para o Blog da Mulher, algo que foi muito gratificante, aliás. Junto com a introdução da Frô (Conceiçao Oliveira), espero que possa servir, pelo menos prá melhorar a agenda feminista, ou pelo menos prá tirar o foco do que parecia uma guerra deflagrada entre homens de esquerda e feministas.
Concordei em quase tudo o que diz essa interessante feminista mexicana, quem eu não conhecia, e me pareceu bastante inusitado seu ponto de vista. Jamais parei prá pensar o feminismo visto por essa ótica, e quando percebi isso, me dei conta que jamais parei prá pensar profundamente no feminismo – eu e provavelmente a grande maioria dos homens, mesmo os de esquerda e ativistas dos direitos humanos.
Há alguns meses, recebi um email de uma psicóloga inglesa criticando a prisão rosa imposta às meninas desde a infância, que isso que vai influenciar na vida adulta dessas meninas, e que junto com a mensagem subliminar das heroínas princesas – as que são heroínas somente porque arrumaram marido, enquanto as que não se arrumaram são bruxas, madrastas más e irmãs feias e eternamente encalhadas – estabelece logo cedo o paradigma da resignação feminina diante de um mundo movido pelos homens, onde o papel da mulher é o de servir de apoio, sempre dentro dos limites do seu universo paralelo cor de rosa.
Meu filho de quatro anos, com poucos meses de jardim infantil, já foi doutrinado nesse sentido. Estou tentado dizer a ele o contrário agora que é cedo, que ainda da tempo de mudar, antes que ele absorva totalmente esse paradigma, e digo prá ele que deve brincar tanto com os meninos quanto com as meninas, que não deve haver divisão. Não sei se dará certo, já que nado contra a corrente. Moramos no Chile, e não sei no Brasil, mas aqui existe uma nova onda de valorização das princesas Disney, todas voltaram em forma de álbuns, bonecas e desenhos readaptados. As colegas do meu filho já entraram na onda, e já querem ser princesas. Os colegas dele, como ele, já foram escalados prá tudo aquilo do que menina não pode brincar: futebol, jogos de porrada, carrinhos, instrumentos musicais etc. Nenhum deles tem mais de cinco anos e já foram condicionados.
Reenviei o tal email aos meus contatos, mais a amigas que a amigos, achando que estava fazendo minha boa ação do ano para com o feminismo. E só voltei a pensar nele agora, lendo o tópico completo no Blog da Mulher, e pensei: será que essa prisão também não afeta a nós, homens?
Marta Lamas diz, e eu concordo, que as feministas precisam de estratégias prá fazer com que os homens se sintam convocados pelas bandeiras feministas. Mas também me pergunto: por que nós, homens, não tomamos a iniciativa de defender temas como a violência contra a mulher? Por que somos nós, como gênero, os agressores? Os torturadores das ditaduras eram todos homens e não economizamos verborragia contra eles, nem contra a violência que eles exerceram. Sequer nos importa o fato de que eram todos homens, e tampouco titubearíamos frente a esse dado. Os combatemos e queremos punição devido a nossos princípios, por sermos contra a tortura, como conceito, mas não somos sensiveis prá pensar na tortura física e psicológica que muitas mulheres sofrem de seus maridos e namorados, diariamente, e durante anos – e a comparação cabe, infelizmente, inclusive no destino mortal que resultou tanto nas agressões da ditadura, e que ainda resultam todos os dias das agressões domésticas a mulheres.
E se a nós, homens de esquerda, nos preocupa tanto as injustiças sociais, por que raramente nos preocupa o grave problema da inequação salarial entre homens e mulheres? Se nossa utopia é o salário digno para todos, por que ignoramos, ou tratamos como tema menor, o fato de muitas mulheres, com o mesmo trabalho, na mesma empresa, com igual ou maior tempo de serviço que colegas homens, ganham salários menores?
Para muitos homens de esquerda, isso é como falar de depilação ou menstruação. Se pensamos nisso, automaticamente o classificamos como tema segmentado, "problema das feministas". Prá isso elas existem, certo?
Não seria o inverso a mesma prisão cor de rosa? As bandeiras das feministas é problema delas, não nosso. Elas que lutem pelo aborto, elas que se preocupem da violência contra as mulheres e da inequação salarial. Para que eu, homem, vou me mover, se as feministas já estão se movendo, elas são mulheres, entendem mais disso, é assunto de meninas.
Talvez seja mais fácil para mim confessar, já que nunca fui um ativista propriamente dito – mais bem um entusiasta de diversas causas coincidentes com meus principios – mas não tenho nenhuma vergonha de admitir que muitas vezes pensei assim, e que a prisão cor de rosa também atua inversamente na infância dos meninos: se você usa cor de rosa é um maricas, se é menino tem que brincar com os outros meninos, ou você toma partido agora e para o resto da vida, ou será classificado como anormal. Quando um homem adulto se depara com uma bandeira feminista, seu subconsciente logo traz à tona o menino que não brincava com as meninas por temor a ser chamado de viadinho.
Creio que todos nós, homens, poderíamos aproveitar o fim, enfim, dessa lamentável guerra da blogosfera, prá repensar nossas idéias e atitudes para com o feminismo, ou prá profundizá-las. E sem nenhuma vergonha, eu não sinto remorsos por ter, incoscientemente, tratado o movimento feminista como assunto de meninas, ou quiçá tenha algum remorso que me custa confessar, justamente pelo mesmo temor a ser infantil. Sair dessa prisão custa, mas resolvi me desafiar a pelo menos tentar.
Mas sair dessa prisão abre espaço prá uma incógnita: o que acontece quando um homem resolve adotar uma bandeira de luta feminista? Certamente muitos homens já o fizeram, ainda que sejam grande minoria, mas não creio que tenham sido todos bem recebidos, e digo isso com um pé atrás, porque não conheço profundamente o movimento feminista brasileiro, mas não creio que seja muito diferente do mexicano, que segundo a professora Lamas possui segmentos que nutrem uma rejeição exagerada aos homens.
E eu até acho que parte dessa rejeição é justificada, porque nós também temos a nossa má fama. Como homem, sei que, entre os amigos desse sujeito que adota bandeira feminista, não faltará os que lhe irão golpear o ombro com a clássica ladainha do machismo pícaro: "espertão, tais com essa conversinha só prá chegar junto da mulherada feminista e depois sair pegando, é ou não é?". Mas, ainda sem ser um especialista na alma feminina, ou feminista, acho que não serão poucas as que pensarão: "esse cara aparece com cara de anjinho, se fazendo de preocupado, só prá dar brecha prá xavecar todas nós quando surgir a primeira oportunidade, os homens são todos iguais".
Portanto, seria mais fácil combater essa má fama com uma adesão em bloco de homens a bandeiras feministas. E se paramos prá pensar, nos damos conta de que recentemente nós fizemos isso. A cruzada anti-aborto promovida pela campanha tucana obrigou toda a esquerda brasileira a deixar de trololó e assumir postura clara diante do tema. Defendemos a descriminalização, e tenho certeza que sempre a defendemos intimamente, a mesma certeza tenho de que muitos ali estavam reivindicando essas idéias publicamente pela primeira vez em suas vidas.
Deveríamos agradecer a Regional Sul 1, por nos permitir tirar essas idéias do armário, e nos mostrar que não dói nada fazê-lo. Agora, poderíamos agradecer também ao Nassif, que na minha opinião (não na de todos) cometeu um grande erro, mas não maior que os meus e os de todos nós. O ditado diz que errar é humano, e não exclusivamente masculino ou feminino, e o erro do Nassif nos permite, agora, repensar as bandeiras feministas e a relevância delas num Brasil prestes a ver, pela primeira vez, uma mulher como líder maior da república.
Aqui no Chile, o governo da primeira presidenta mulher do país, Michelle Bachelet, fez grandes mudanças em favor das bandeiras feministas, combatendo principalmente a violência contra a mulher e a inequidade salarial. Não fez nada pela descriminalização do aborto (e era impossível, pois sua aliança é formada também pelo Partido Democrata Cristão), mas adotou a distribuição gratuita para mulheres pobres de anticoncepcionais, incluindo a pílula do dia seguinte, pelos consultórios públicos de atenção primária. Espero, sinceramente, que a Dilma tenha o mesmo desempenho a favor das mulheres, e consiga os mesmos bons resultados.
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